O FILME COMO EVIDÊNCIA

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O curta-metragem The Evidence of the Film (A evidência do filme, EUA, 1913, 14’), de Lawrence Marston e Edwin Thanhouser, produzido pelo Thanhouser Studio, em New Rochelle (Nova York), que produziu mais de mil filmes entre 1910 e 1917, é considerado o primeiro filme a apresentar o filme como prova num tribunal.

Mensageiro de uma casa de investimentos, um menino (interpretado pela expressiva menina Marie Eline) é encarregado de entregar a uma cliente um envelope contendo US$20,000 que o investidor (William Garwood) deve a ela, que ameaçou processá-lo caso não recebesse o dinheiro naquela mesma tarde.

Na verdade, para enganar a cliente, o broker vigarista preparou dois envelopes: um com o dinheiro, fechado diante de duas testemunhas; e outro recheado com tiras de jornal, que ele esconde no bolso interno de seu casaco.

O broker segue o mensageiro pelas ruas até que ele invade inadvertidamente as locações de uma filmagem. O menino é então derrubado no chão pelo broker, que se aproveita da confusão armada para trocar o envelope com dinheiro pelo envelope com tiras de jornal.

Quando o mensageiro chega ao seu destino e a cliente recebe o envelope “falso”, o menino é acusado de ter roubado o dinheiro, levado às barras do tribunal e, confrontado com os testemunhos, condenado sem apelo à prisão.

Dias depois, a irmã do mensageiro (Florence La Badie), que trabalhava como montadora do estúdio de cinema que fizera as filmagens em locação, percebe que a película rodada pelo cinegrafista distraído havia registrado acidentalmente o ataque do broker ao garoto.

A película é apresentada ao juiz, que aceita o registro das imagens como prova, e a sequência incriminadora da troca dos envelopes é projetada numa sessão fechada para os policiais, que logo procedem à liberação do garoto, prendendo o verdadeiro culpado.

A única cópia sobrevivente de The Evidence of the Film foi encontrada em 1999 na sala de projeção de um cinema de Montana. Em 2001, o filme foi selecionado para preservação no United States National Film Registry da Biblioteca do Congresso Americano como obra “cultural, histórica ou esteticamente significativa”.

Além de atraente como narrativa criminal e de suspense, The Evidence of the Film traz um registro notável do mundo do trabalho na América do começo do século XX, com crianças assumindo encargos de grande responsabilidade em escritórios, e estúdios empregando preferencialmente mulheres, supostamente mais pacientes e atentas aos detalhes que os homens, no trabalho cuidadoso e preciso da edição dos filmes.

A POLITIZAÇÃO DO OSCAR

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A maior gafe da história do Oscar foi cometida na sua 89ª edição em 2017, quando os veteranos atores de Bonnie and Clyde (Bonnie e Clyde – Uma rajada de balas, 1967), Warren Beatty e Faye Dunaway, anunciaram o principal prêmio da noite, de Melhor Filme do Ano: “O Oscar vai para…” (silêncio e dúvida no olhar inseguro de Clyde). “Você é horrível” (sussurra Bonnie, incomodada com a demora do parceiro). Ele passa à ansiosa Bonnie o envelope que parece queimar em suas mãos e ela, despachada, lê o resultado sem hesitações, como se a disparar uma metralhadora: “La La Land!”.

É a maior festa no palco, com toda a equipe do filme transbordando de felicidade, os agradecimentos de praxe derramando emoções superlativas de robôs movidos a cocaína. Porém, uma agitação diferente eletriza os bastidores. Há algo de podre no reino da Academia! Os atores que subiram ao palco dão as costas ao público tentando entender o que se passa e logo a explicação cai do céu como um tomate gigante esmagando La La Land: os envelopes foram trocados, o vencedor é Moonlight!

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Um dos produtores de La La Land, o cabotino Fred Berger, conclui bem tranquilo seus agradecimentos com um paradoxal “Mas não ganhamos, como vocês já sabem”. Feio foi o outro produtor, Jordan Horowitz, mal humorado, não esperar a explicação de Warren Beatty. Eis que ele assume, raivoso, o papel do apresentador, anunciando: “Moonlight, vocês venceram, não é piada, é verdade!” e, para provar a afirmação, arranca rispidamente o envelope das mãos de Beatty, num gesto desrespeitoso para com o veterano astro, que não tinha culpa de nada, pois recebera da organização do Oscar, sem perceber, um envelope duplicado do prêmio anterior de Melhor Atriz para anunciar o Melhor Filme, ficando confuso e inseguro ao ler o resultado.

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O funcionário encarregado de entregar o envelope lacrado de Melhor Filme a Beatty estava muito ocupado postando fotos nas redes sociais até minutos antes da premiação mais importante da noite. Distraído, excitado, sem foco no trabalho, não percebeu a duplicação do envelope, obra da empresa PricewaterhouseCoopers, responsável pela auditoria dos resultados do Oscar e pela entrega dos envelopes, que publicou um pedido de desculpas oficial na sua conta do Twitter:

Pedimos desculpas sinceras a Moonlight, La La Land, Warren Beatty, Faye Dunaway e espectadores do Oscar pelo erro cometido no anúncio de Melhor Filme. Os apresentadores receberam o envelope da categoria errada e, quando o problema foi descoberto, foi imediatamente corrigido. Estamos investigando como isso aconteceu, e sentimos muitíssimo o acontecido. Apreciamos a graça com que os indicados, a Academia, o canal ABC e Jimmy Kimmel lidaram com a situação.

Embora espetacular e inédito, este não foi o pior desastre do Oscar 2017. O prêmio de Melhor Documentário de Curta-Metragem concedido a The White Helmets (Os Capacetes Brancos, 2016) supera a mera trapalhada de La La Land X Moonlight.

Ali foi lamentada a ausência de Khaled Khatib (que atua em The White Helmets) e proferido o mote do filme, um verso do Corão (“Quem salva uma vida salva a humanidade inteira”) plagiado do Talmude, e popularizado por Spielberg em Schindler’s List (A lista de Schindler). Por toda a semana as mídias exploraram essa ausência, tentando passar a ideia de que o sírio não pode ir ao Oscar devido ao banimento dos “sete países de maioria muçulmana” pela administração Trump.

Em flagrante contradição, Khaled Khatib tuitou a 25 de fevereiro de 2017 que recebeu o visto americano, mas não viajaria para a festa do Oscar devido “à intensidade do trabalho, nossa prioridade sendo a de ajudar nosso povo”. No dia seguinte, a organização dos Capacetes Brancos publicou uma declaração oficial diferente, culpando o presidente Assad pela ausência de Khatib pois “seu passaporte foi cancelado pelo regime sírio, apesar de ter recebido um visto americano especialmente para a cerimônia da premiação.” Só que o diretor do filme declarou na noite do Oscar que Khatib estava na Turquia… O governo sírio nada comentou.

A frase do Corão é proferida em The White Helmets pelo chefe dos Capacetes Brancos, o sírio Raed Saleh, que, este sim, teve seu visto negado pela administração Trump e não pode entrar nos EUA para representar o grupo-tema do documentário, que foi muito bem produzido, e possui imagens espetaculares e trilha sonora poderosa:

Porque Raed Saleh teve seu visto negado? Os Capacetes Brancos são um grupo de resgate integrado por civis sírios que pregam a supremacia sunita, a Lei Sharia em substituição à Constituição Síria e o fim do governo do ditador sírio Bashir al-Assad não exatamente por ser um ditador, mas por ser “tolerante com as práticas ocidentais”.

Segundo jornalistas sírios, a Defesa Civil Síria e a Igreja Ortodoxa Síria, os Capacetes Brancos só resgatam muçulmanos sunitas que sofreram ataques em bairros e comunidades sunitas, deixando de fora do resgate xiitas, cristãos, alawitas, drusos, curdos, Yázidis, etc. procurando sempre fazer propaganda dos resgates através da gravação dos mesmos por um cinegrafista próprio.

A jornalista Vanessa Beeley assegurou que os Capacetes Brancos são terroristas que invadiram Alepo, financiados pelo Ocidente e também pela Al-Qaeda. Disfarçados de organização humanitária, eles não seriam os heróis que as mídias ocidentais pintam, mas uma ONG fraudulenta com uma agenda anti-ocidental.

Em 2012, quando várias facções militantes se infiltraram em Alepo Oriental, os Capacetes Brancos expulsaram a verdadeira Defesa Civil (fundada em 1953 e única organização do gênero na Síria, registrada na Organização Internacional de Defesa Civil, filiada à ONU, OMS, Crescente Vermelho e Cruz Vermelha), cometeram massacres, sequestros e roubo de equipamentos, carros e ambulâncias.

Os Capacetes Brancos teriam sido criados e treinados em 2013, em Gaziantep, na Turquia, por James Le Mesurier, ex-oficial de inteligência da Royal Military Academy de Sandhurst, envolvido em numerosas “intervenções humanitárias” da OTAN na Bósnia, em Kosovo, no Iraque, no Líbano e na Palestina. Ocupou postos de alto nível na ONU, na UE, no Commonwealth Office, com experiência em segurança privada, associado à empresa Blackwater, usada pela CIA para organizar assassinatos (SYRIAN, 2016).

A jornalista Beeley ainda alertou para a gravidade da inclusão de The White Helmets na festa do Oscar antes que as denúncias de roubo, assalto e terrorismo que pesam sobre o grupo tenham sido investigadas.

As ausências de Khaled Khatib e de Raed Saleh na cerimônia do Oscar foram factoides produzidos para escandalizar os fanáticos da “diversidade”, uma vez que The White Helmets foi dirigido pelo cineasta inglês Orlando von Einsiedel e produzido pela Netflix, que recebeu, em 2015, grande aporte do bilionário investidor George Soros, que comprou 317.534 de suas ações por 32,79 milhões de dólares. Com mais propriedade, caberia ao americano Wilmot Reed Hastings, Jr., co-fundador e CEO da Netflix, receber a estatueta na cerimônia. Onde é que ele estava?

A premiação de The White Helmets, o convite feito a Khaled Khatib e a Raed Saleh para receber a estatueta e a citação da “frase do Corão” durante a cerimônia do Oscar, cada vez mais decadente, porém vista ainda por centenas de milhões de pessoas, além do prêmio de Melhor Ator Coadjuvante dado a Mahershala Ali, cristão convertido ao Islã, e que as mídias da desinformação passaram a trombetear como sendo o “primeiro muçulmano a ganhar o Oscar” (sic) configuram golpes políticos consistentes.

A nova ideia de que o Oscar alijava muçulmanos é no mínimo bizarra. Ellen Burstyn, cristã que teria se convertida ao Islã, ganhou o Oscar de Melhor Atriz em 1975; e Asghar Farhadi ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011. E é possível que outros produtores, atores, técnicos e animadores muçulmanos tenham levado o Oscar mantendo discretamente sua fé. A importância disso nunca foi alardeada como agora. A religião de cada profissional era algo de íntimo e pessoal.

Integra, pois, a mesma estratégia de politização do Oscar a entrega do prêmio de Melhor Filme de Língua Estrangeira – pela segunda vez! – ao iraniano Asghar Farhadi (The Salesman), que boicotou a cerimonia em protesto ao banimento dos assim chamados “sete países de maioria muçulmana”, incluindo o seu. O discurso anti-Trump do cineasta de um país que persegue opositores políticos, reprime homossexuais, apoia terroristas, oprime mulheres e financia cineastas “defensores dos direitos humanos” foi lido pela milionária engenheira iraniana americana Anousheh Ansari, “a primeira iraniana no espaço” (ao viajar em 2006 às próprias expensas – uns 20 milhões de dólares – na Estação Espacial Internacional):

Dividir o mundo em categorias de ‘nós’ e ‘nossos inimigos’ cria medo, uma enganosa justificativa para agressão e guerra. Estas guerras impedem a democracia e os direitos humanos em países que foram vítimas de agressão. Cineastas podem mover suas câmeras para capturar e compartilhar qualidades humanas e quebrar estereótipos de várias nacionalidades e religiões. Eles criam empatia entre ‘nós’ e ‘outros’, empatia que precisamos hoje mais do que nunca.

A demonização da administração Trump continuou com a apresentação do prêmio de Melhor Animação de Longa Metragem por Hailee Steinfeld e Gael Garcia Bernal, interrompida pelo ator que não resistiu a dar seu pitaco, muito aplaudido:

Atores de carne e osso são trabalhadores migrantes. Viajamos por todo o mundo, construímos famílias, construímos histórias, construímos vida e não podemos ser divididos. Como mexicano, como latino-americano, como trabalhador migrante, como ser humano, sou contra qualquer forma de muro que nos separe.

Hollywood declarou guerra à administração Trump, que contraria os interesses da elite “politicamente correta” que se alia a grupos terroristas e a teocracias islâmicas regressivas e, na sua cruzada pela “tolerância”, pratica toda sorte de vandalismos, revoltada com a perspectiva de uma América com fronteiras seguras e precavida com restrições ao livre acesso de cidadãos de países que abrigam terroristas perigosos.

A cereja do bolo foi o discurso de Cheryl Boone Isaacs, o presidente da Academia, batendo na tecla da “grande diversidade” dos indicados: “Hoje é a prova de que a arte não tem fronteiras.” Contraditoriamente, o mestre de cerimônias Jimmy Kimmel, também afoito para atacar Trump, recordou algo que Isaacs se esforçava em esquecer: “Isso está sendo observado ao vivo por milhões de pessoas em 225 países que agora nos odeiam. Eu quero dizer obrigado ao Presidente Trump. Lembram-se do ano passado, quando parecia que o Oscar era racista? Graças a ele isso acabou.”

O novo amor de Hollywood pelo Islã, a consagração de Moonlight e a premiação de Viola Davis como Melhor Atriz revelam o caráter culpado e hipócrita da politização do Oscar. Cada vez mais alheia à arte do cinema, a Academia tentou neutralizar as acusações de “ausência de diversidade” que marcaram sua própria edição de 2016, quando nenhum ator negro foi indicado ao prêmio. Estigmatizada como uma festa de “brancos racistas”, Hollywood desviou o estigma para a administração Trump. Mas como quem ri por último ri melhor, após a cerimônia Donald Trump declarou ao site Breitbart News como foi melancólica a confusão no fim da cerimônia do Oscar:

Acho que estavam tão focados na política que não conseguiram colocar a cerimônia em ordem no final. Foi um pouco triste, tirou um pouco do glamour do Oscar, não parecia uma noite muito glamorosa. Já estive no Oscar, tinha algo muito especial faltando, e terminar daquele jeito foi triste.

Como tudo tem um preço, o Oscar pagou caro sua alforria da tirania do “politicamente correto”: com ciladas suicidas, trapalhadas, gafes, atitudes patéticas e grosseiras, compondo nas redes sociais momentos ridículos para todo o sempre.

 

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Fontes: 

SYRIAN White Helmets a ‘terrorist support group & Western propaganda tool’. RT, 25 de outubro de 2016. Disponível em: https://www.rt.com/op-edge/364105-aleppo-white-helmets-fraudulent/.

DIÁRIO DA OCUPAÇÃO

Durante a Ocupação da UFMG, o cotidiano da academia foi subvertido, com uma série de inversões de valores. De repente, ministrar disciplinas, defender Mestrado e Doutorado, pesquisar nas bibliotecas e nos laboratórios tornaram-se atividades fúteis, sem valor ou sentido. Importante e urgente era fazer assembleias e protestar, ocupar prédios e montar performances ideológicas.

Em novembro, as paredes do CAD2 foram pichadas. Dias atrás 150 estudantes arruinaram o Arquivo e o Depósito da Faculdade de Letras (FALE). Um dos postes do estacionamento foi derrubado e usado para demolir a parede da estrutura do depósito, localizada atrás do auditório 1007. Dezenas de carteiras foram empilhadas e destruídas. Caixas de livros foram violadas.

Após uma invasão de estudantes, o Restaurante Setorial I suspendeu o atendimento. Toda a refeição do dia foi perdida, pois a violação das bandejas lacradas implicava na possibilidade de contaminação da comida. Mais de 350 quilos de alimentos foram jogados no lixo e o restaurante teve que fechar as portas para a limpeza dos estragos causados pelos invasores.

Existe alguma razão que justifique tais atos de vandalismo contra o patrimônio público da parte de quem supostamente está lutando em defesa do ensino público? Podemos arriscar uma resposta: o vazio de autoridade. Cúmplices e acovardadas, as autoridades da UFMG recusam exercer seu papel por medo de passarem por direitistas, golpistas e fascistas.

Tal é o efeito inibidor da propaganda goebbelsiana disseminada nas mídias sociais. Lembremos que na Alemanha nazista (como na Rússia comunista) também os jovens estavam na vanguarda dos movimentos de pilhagem. Engajados em milícias, eles agitavam as ruas, enfrentavam a polícia, encenavam batalhas campais, usados pelos líderes do Partido como ponta-de-lança do poder totalitário que visava destruir a democracia.

Neste clipe, o Pró-Reitor da UFMG, temendo consequências funestas, acaba liderando os estudantes mascarados. Aos gritos, ele tenta acalmar os manifestantes, dizendo à pequena turba revoltada que é preciso recuar na tática porque a polícia considera o lançamento de pedras sobre ela um “crime, mas é um crime entre aspas”. Logo, eles não devem cometer esse crime entre aspas para não dar motivo à PM de invadir a Universidade…

No dia seguinte, o Reitor repudiou o vandalismo da PM, sem mencionar o lançamento de paus e pedras pelos estudantes. Notemos que a PM está subordinada ao governador Pimentel, cujo Partido integra as Ocupações através de seus militantes. O Reitor também condenou as depredações no CAD2 e na FALE sem mencionar os ocupantes como seus supostos agentes.

A Ocupação é um luxo que os acadêmicos se dão em meio à mais grave crise econômica do país, causada pelos sucessivos governos petistas, com um saldo de 14 milhões de desempregados: somente na FALE as perdas estão calculadas em torno de 500 mil reais com a paralisação dos seus Cursos de Extensão.

O caráter lúdico das ocupações, alheias aos prejuízos que causam em todo o país, transparece em suas manifestações públicas. Em Brasília, grupelhos anarquistas de ocupantes fizeram dancinhas de guerra. Na UFMG, docentes contribuíram com uma performance que denota uma regressão à infância ou uma senilidade precoce, desmoralizando a categoria perante a sociedade.

A Rádio Crua, que ocupou a Rádio UFMG Educativa, prega atos criminosos como “queimar Brasília” e “queimar Temer”, lançando no ar os palavrões mais sujos já proferidos numa rádio pública. Ela transmite raps que expressam o vazio mental de certa juventude doutrinada com chavões anticapitalistas.

O movimento OCUPA TUDO manipula os jovens pobres, que temem não conseguir permanecer nas universidades sem bolsas e auxílios. Como vivem num meio social precário, reagem através de gestos e atitudes violentas: um exemplo foi a cantora que disse à Rádio Crua que o rap salvou sua vida depois que ela foi estuprada. Sua fala era uma cascata de palavrões.

Enquanto os educadores entregam suas instituições às fantasias do niilismo anárquico de uma juventude inconformada com o fracasso monumental do governo populista que ela via como a locomotiva do progresso, com a promessa do empoderamento das mulheres, da abolição real da escravatura e da ascensão milionária da pobreza, todos acreditando pertencer ao campo da esquerda graças à nivelação mental operada pelo rolo compressor da propaganda, o Brasil  despenca em todos os rankings mundiais de educação.

DRAMAS FEMININOS EM FILMES DA DEFA

ALEXANDRE MARTINS SOARES

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Logotipo da DEFA. Fonte: http://www.defa-stiftung.de/defa-stiftung-home

A Deutsche Film-Aktiengesellschaft (DEFA) era a empresa cinematográfica estatal que monopolizava a produção de filmes na então República Democrática Alemã (RDA), ou Alemanha Oriental. Foi fundada em 17 de maio de 1946 na Zona de Ocupação Soviética (Sowjetische Besatzungszone – SBZ) da Alemanha derrotada na Segunda Guerra Mundial.[1] Portanto, ela existiu antes mesmo da fundação da RDA, que ocorreu em 1949. A Administração Militar Soviética na Alemanha (Sowjetische Militäradministration in Deutschland – SMAD) e comunistas alemães consideraram a importância da produção cinematográfica no processo de desnazificação e também como meio de propaganda nos primeiros tempos da Guerra Fria. Quando então os interesses soviéticos se tornavam cada vez mais divergentes de seus antigos aliados ocidentais norte-americanos, ingleses e franceses.[2]

O local escolhido para as primeiras instalações da DEFA foi Babelsberg, nos antigos estúdios da Universum-Film A.G. (UFA). A vila de Babelsberg também é conhecida por ter recebido a Conferência de Potsdam em 1945, onde acordos foram traçados para o novo mundo do pós-guerra. Na estrutura de produção da DEFA havia repartições específicas como o Grupe Camera DDR, que realizava os Filmische Auslandspropaganda, ou filmes para a propaganda no exterior. Constituía parte importante do sistema de organizações, instituições e meios de comunicação para informações sobre a RDA vinculadas ao Ministerium für Auswärtige Angelegenheiten (Ministério dos Assuntos Estrangeiros). Tanto seus filmes documentários quanto os de ficção estavam sujeitos a instruções e supervisão de uma repartição do comitê central do Partido Socialista Unificado Alemão ou Partido da Unidade Socialista Alemão (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands – SED).[3]

Após o fim da RDA e o fechamento de seus consulados em todo o mundo, acervos de filmes mantidos para empréstimos a instituições foram descartados. Em Belo Horizonte, o então chefe do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema (FTC) da Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG, Prof. Dr. Luiz Nazario, aceitou receber doação de um lote de 183 filmes alemães orientais. Em 1998, quando então o autor do presente comunicado era aluno de graduação na Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG, e monitor sob a orientação dos professores Dr. Luiz Nazario e Rafael Conde, catalogou o lote da DEFA-Camera DDR em formatos 16 mm e alguns poucos em 35 mm. Foi surpreendente descobrir em meio a tantos filmes documentários de propaganda da ditadura socialista uma destacada e sensível dramaturgia feminina nos filmes narrativos de ficção. Essa é comparável à melhor tradição dos Frauenfilme, ou filmes sobre mulheres, que Rainer Werner Fassbinder, Margarethe Von Trotta e outros realizavam na capitalista República Federal da Alemanha (RFA), ou então Alemanha Ocidental.

Porém, os Frauenfilme alemães orientais possuem características próprias que foram confirmadas mais tarde a partir da ainda incipiente literatura estrangeira sobre o tema. Existem sutilezas ao se tratar de percepções subjetivas, portanto situações de individualidades, em um modo de produção estatal controlada dentro de uma rígida política cultural de uma sociedade coletivista e ditatorial. O filme Solo Sunny (RDA, 1980) de Konrad Wolf, por exemplo, evidencia questões existenciais femininas no extinto país socialista, e que não são percebidas em documentários idealizados como Sorge um Mutter und Kind (Cuidados com a mãe e a criança – em tradução livre, RDA, 1986) de Regina Thielermann.

Outro documentário digno de nota é Eternamente jovem Berlim (Die Junge Alte Stadt Berlin, RDA, 1984/86). Contando com inserção de imagens de arquivo, expõe a melhoria da vida em Berlim Oriental reconstruída das ruínas da guerra. Mostra como a capital da RDA se tornou “a vitrine do socialismo”. No entanto, a visão idealizada de mundo nele exposta é também confrontável, desta vez com o relato de Frederick Taylor, historiador do Muro de Berlim, que lembrou sobre a existência de ruínas materiais, sociais e morais ocultas por trás das “áreas vitrines” evidenciadas pela propaganda do governo alemão oriental.[4] Nos filmes da repartição Camera DDR da DEFA, aliás, a própria existência do Muro, fonte de profundo constrangimento para o mundo socialista, é omitida. O rolo da primeira parte de Eternamente jovem Berlim, em formato 16 mm, foi telecinado, digitalizado e disponibilizado para pesquisa em DVD.[5]

Após a Queda do Muro de Berlim em 1989, e a Reunificação alemã no ano seguinte, pesquisadores Ocidentais começaram a ter maior acesso aos arquivos da DEFA, revelando uma intrigante e rica cinematografia. Uma década mais tarde, muitos filmes da empresa já estavam disponíveis nos Estados Unidos em formato VHS, e a seguir em DVD. Acadêmicos da University of Massachusetts Amherst formaram um importante centro de pesquisa sobre a DEFA.[6] A Universität Oldenburg também fomentou pesquisa sobre a empresa, como a de Kathrin Puhl, que nasceu e viveu até os sete anos de idade na RDA e concentrou seus estudos no imaginário feminino do cinema alemão oriental.[7] Porém, Puhl, assim como outros autores e autoras pesquisados, chama a atenção para a necessidade de mais pesquisas sobre a herança da DEFA. O cinema alemão oriental é ainda subestimado se comparado ao já amplo corpus teórico formado nos estudos do cinema da Alemanha Ocidental, apesar da boa qualidade técnica e artística de muitos de seus filmes.

Devido ao impacto da descoberta da existência do gênero dramático dos Frauenfilme por trás do Muro de Berlim e de outras barreiras da então fechadíssima fronteira interalemã, a pesquisa em desenvolvimento cujo título é Na vitrine do socialismo. A mulher no cinema da DEFA e da Ostalgie, orientada pelo Prof. Dr. Luiz Nazario no Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG, é centrada em filmes articulados em torno da individualidade feminina na Alemanha Oriental.[8] Há que se considerar a importância histórica, ideológica e estética dos Frauenfilme. Nos filmes do gênero, tanto os que foram realizados na Alemanha Ocidental quanto na Alemanha Oriental, os dramas íntimos da vida de uma mulher indiciam problemas na sociedade. Mas os cineastas e roteiristas da DEFA tiveram que articulá-los de forma ambígua devido aos controles estatais a que estavam sujeitos em um Estado policial. O gênero Frauenfilme tornou-se um filão propício para expor, mesmo que de forma velada, as contradições na sociedade alemã oriental, em que havia a interferência do Estado em praticamente todas as áreas da vida.

Para se estudar o contexto de produção dos filmes da DEFA, é preciso se deter inicialmente em conceitos da política cultural do SED, sendo central o conceito que ficou conhecido como Geist und Macht (espírito e poder).[9] Ele tem sua origem ainda nos tempos da Zona de Ocupação Soviética anterior à fundação da RDA. Trata-se de um “acordo” em que artistas, literatos, filósofos, pessoas de diversas áreas do saber apoiariam a burocracia socialista.[10] Esperava-se que o intelectual teria um lugar a cumprir ao lado do proletário e do camponês na construção de uma sociedade justa no futuro, a partir das ruínas do nazifascismo. O Geist und Macht se revelou um mito com a burocratização do Estado e a estruturação de um amplo aparato de vigilância e repressão comparável ao imaginário totalitário criado por George Orwell em sua célebre obra 1984. O que levou ao silêncio dos intelectuais diante de sistemáticas violações de Direitos Humanos. Ao mito do Geist und Macht se sobrepôs um outro mito elaborado pelas autoridades do SED e corroborado pelos media a partir da fundação da RDA em 1949, o de que o país seria a “República antifascista”. Sobre o que Anna Funder explicou muito bem:

Na RDA, as pessoas eram solicitadas a reconhecer uma série de ficções como fatos reais. Algumas dessas ficções eram fundamentais, como a crença na natureza humana como obra em andamento, passível de ser aperfeiçoada, e no comunismo como forma de fazê-lo. Outras eram mais singulares, como, por exemplo, a crença de que os alemães orientais não tinham sido (nem mesmo em parte) os responsáveis pelo Holocausto, de que a RDA era uma democracia pluripartidária, de que o socialismo era pacifista, de que não havia ex-nazistas no país [grifos meu]. […] Era como se de fato acreditassem que os nazistas tinham vindo do Oeste da Alemanha e retornado para lá, inteiramente separados deles, o que não era verdade.[11]

A seguir, deve-se situar a DEFA, e os seus filmes com a dramaturgia feminina em destaque, dentro das tradições cinematográficas mundiais. Os Frauenfilme da DEFA se relacionam mais aos filmes de cineastas soviéticos que se aproximaram do indivíduo, tais como fizeram Vsevolod Pudovkin e Mikhail Kalatozov, do que a Sergei Eisenstein e sua direção de massas. Os elaboradores de política cultural do SED buscaram impor o realismo socialista como a estética principal a ser seguida na produção da DEFA. Mas no delicado e tenso equilíbrio do Geist und Macht, alguns dos mais notáveis cineastas da empresa, como Konrad Wolf e Heiner Carow, conseguiram realizar obras que possuem características autorais. O que possui algum precedente no cinema da República de Weimar, além do fato de que o cinema alemão dos anos 1920, notavelmente o expressionista e também o Kammerspiel, já apresentava uma interessante galeria de personagens femininas eternizadas por atrizes como Lil Dagover, Brigitte Helm e Louise Brooks.[12] É também possível observar nos Frauenfilme da DEFA influências do drama de matriz hollywoodiana e do cinema neorrealista italiano.

Ao se concentrar em filmes sobre uma mulher vivendo seus dramas no socialismo, devem ser verificadas antes as relações conflituosas entre marxismo e feminismo. A feministas marxista e revolucionária russa Alexandra Kolontay, que fez parte do governo soviético, viu alguns de seus programas para a mulher socialista frustrados pela burocracia partidária e pelo stalinismo. Mas considerou sensatamente que a velha ordem patriarcal não desapareceria da noite para o dia após a Revolução soviética. Kolontay chegou mesmo a pensar modos de relações entre os sexos que seriam adequados para os difíceis tempos revolucionários e de consolidação da nova ordem, chegando a propor o “amor jogo” ou “o amor amizade”.[13] Andrea Nye, que traça um panorama histórico das teorias feministas, apresenta a obra de Kolontay e outras pensadoras e pensadores, como August Bebel, sobre a questão da mulher no socialismo. Pelo verificado historicamente nas sociedades socialistas, porém, Nye expõe o marxismo como uma comunidade de homens.[14]

Os estudos femininos aplicados à produção cinematográfica de uma empresa socialista como a DEFA apresentam peculiaridades como as reveladas por pesquisas de autoras alemãs. Kathrin Puhl lança mão de modelos de mulheres formulados historicamente no programa do SED, conforme evidenciados nos estudos de Susanne Diemer.[15] Trata-se de formulações idealizadas pelos elaboradores de políticas sociais e culturais do partido e mutáveis de acordo com as necessidades de cada época ao longo dos 40 anos de existência da RDA. Tais modelos foram mediados pelos filmes da DEFA, compondo um imaginário ambíguo ao se aproximar da realidade social expondo dramas de individualidades. Puhl verifica se os modelos femininos do SED evidenciados por Diemer estão em conformidade com os apresentados em filmes da DEFA ou se ocorrem diferenças significativas.[16]

Diemer concentra sua análise na representação da feminilidade na RDA em três modelos para a mulher: de 1945 aos anos 1950 há o conceito de „‚Verdopplung‘ der Weiblichkeit“ (“duplicação” ou “desdobramento” da feminilidade). Esse modelo é composto pelas mulheres das ruínas, as chamadas Trümmerfrauen dos tempos da Zona de Ocupação Soviética da Alemanha, aos primeiros anos após a fundação da RDA. A mulher era apresentada em roupas de operário e lidando com máquinas e ferramentas. Ela concentrava em si o masculino e o feminino suprindo a falta de mão de obra para a reconstrução das cidades nos primeiros anos do segundo pós-guerra. Muitos homens estavam mortos, desaparecidos, mutilados ou se encontravam como prisioneiros de guerra. Conforme relata Puhl, a Alemanha havia se tornado uma “Frauenland”, ou seja, uma “terra de mulheres”.[17]

Elas removiam os escombros e no Leste se engajaram a seguir, na construção do novo país socialista. Há quem exponha o que há de mistificação também nas Trümmerfrauen, como se pode encontrar no trabalho de Katrin Sell.[18] Dois filmes são representativos da época: The Murderers Are among Us (Die Mörder Sind Unter Uns, Alemanha, 1946), escrito e dirigido por Wolfgang Staudt, foi realizado ainda nos tempos da Zona de Ocupação Soviética na Alemanha, sendo o primeiro drama ficcional de longa metragem da DEFA. Narra a história de Susanne Wallner (Hildegard Knef), uma sobrevivente de um campo de concentração nazista que retorna a Berlim em ruínas após a guerra e divide um apartamento com o Dr. Hans Mertens (Ernst Wilhelm Borchert), um médico que havia servido na Wehrmacht, as forças armadas alemãs na Segunda Guerra Mundial, e que apresenta dificuldades de adaptação à nova realidade.

The Murderers Are among Us pode ser categorizado como um dos chamados Trümmerfilme (filmes de ruínas). Trata-se de um gênero composto por filmes que foram realizados em meio aos escombros de guerra nas quatro zonas de ocupação aliadas da Alemanha. O filme de Staudt é situado também dentre os Antifaschistischefilme (filmes antifascistas), sendo o lançador do gênero muito específico na DEFA, que se desenvolveu de forma articulada com o princípio do mito da “república antifascista” a qual viria a pretender ser a RDA.Murderers Are among Us (Die Mörder sind unter uns, Alemanha, 1946).

Outro filme abrangido pelo modelo de “duplicação da feminilidade” é Sun Seekers (Sonnensucher, RDA, 1957), já da primeira década após a fundação da RDA. Narra a história de duas jovens, Emmi (Manja Behrens) e Lutz (Ulrike Germer), enviadas para o trabalho em condições precárias nas minas de urânio da Wismut, grande mineradora do Leste que dava suporte ao programa nuclear soviético.[19]

Sun Seekers é também um Antifaschistischefilm (filme antifascista na forma singular do idioma alemão) ao apresentar a temática comum ao gênero: a necessidade de eterna vigilância contra possíveis inimigos fascistas infiltrados. O antifascismo alemão oriental adquiriu uma dimensão mais ampla ao relacionar o nazi fascismo como uma das “manifestações em decadência do capitalismo internacional”.[20] Ambos os filmes aqui citados, porém, possuem sua narrativa centrada nos dramas existenciais de personagens femininas, prenunciando assim os Frauenfilme (filmes sobre mulheres) da DEFA.

Nos anos 1960, Puhl verifica os chamados „Typus der ‚anderen‘ Frau“ (ou tipos da ‘outra’ mulher). Esse modelo é formado pelas mulheres que já alcançavam a qualificação técnica e profissional, tão propagado sobretudo no imaginário tecnocrata dos anos 1960 e início dos anos 1970.[21] Um filme da época é Der geteilte Himmel (RDA, 1964), dirigido por Konrad Wolf, adaptado do livro de Christa Wolf, Der geteilte Himmel Erzählung. Publicado em 1963, o romance lida pela primeira vez na RDA, com a delicada questão do Muro de Berlim, cujas barreiras iniciais foram fixadas numa madrugada de agosto de 1961, no episódio histórico que ficou conhecido como o “domingo do arame farpado”.[22]

Der geteilte Himmel narra o drama de Rita Seidel, no filme representada por Renate Blume, uma moça convencida a se engajar na causa da construção do socialismo, mas que se apaixona por um químico politicamente suspeito. Pouco antes da construção do Muro, seu amado vai a Berlim Ocidental para um congresso, de onde decide não mais retornar. Rita se junta a ele depois, mas lá se sente uma estranha e decide retornar a Berlim Oriental, poucos antes de Berlim Ocidental ser isolada por arames farpados e pelas primeiras peças em concreto do que viria a ser o Muro. Uma tradução livre para o título em alemão Der geteilte Himmel seria “o céu dividido”, compondo uma delicada simbologia para o que estava ocorrendo em terra, e sobre o que, naturalmente, não se podia comentar sem atrair para si o impedimento da censura ou, pior, a atenção da Staatssicherheitsdienst (Stasi), o temido Serviço de Segurança do Estado alemão oriental.

Os Frauenfilme da DEFA privilegiam as histórias do dia a dia, sobretudo a partir do 13 de agosto de 1961. Muitas pessoas que já não tinham condições para tentar uma fuga mais ousada da RDA passaram a se voltar para um auto imposto exílio intimista. Quando então se viram trancadas atrás do que Winston Churchill havia chamado de Cortina de Ferro, aparentemente de forma definitiva em uma situação que duraria 28 anos.[23] “Muitos se recolhiam ao que chamavam de “emigração interior”. Protegiam sua vida pessoal e secreta na tentativa de manter algo de si fora do alcance das autoridades”.[24] Em meados dos anos 1970, um nicho da produção cinematográfica alemã oriental buscou se aproximar um pouco mais da vida privada, mesclando mesmo a narrativa ficcional com o documentário em filmes que ficaram conhecidos como Alltagefilme (filmes sobre o dia a dia).[25]

Ainda conforme Puhl, sobre os modelos femininos idealizados pelo SED, mediados ambiguamente por filmes da DEFA e articulados em torno do drama de uma mulher, ocorre nos anos 1970 e 1980 uma „Wandel zur neuen Mütterlichkeit“, ou “mudança para uma nova [ênfase] na maternidade”.[26] Com o Muro, o país havia estancado a grande fuga de mão do obra para o Ocidente e pode ter assim, conforme Taylor, uma chance de ainda ser viável.[27] Era preciso, no entanto, fazer crescer a taxa de natalidade perigosamente baixa da RDA, e agravada pelo fato de que muitas mulheres não queriam assumir uma dupla jornada, conciliando os afazeres domésticos e a atuação profissional. Apesar do mito da nova consciência e do sentido de solidariedade do homem e da mulher socialista, a maior parte dos trabalhos domésticos e dos cuidados com as crianças ainda ficavam ao engargo delas.[28]

Os elaboradores de políticas sociais e culturais do SED, compondo uma burocracia predominantemente masculina, fizeram então a mudança de uma Frauenpolitik (política para as mulheres), fundamentada nas ideias de August Bebel, para uma Familienpolitik (política para a família).[29] Em 1971, Erich Honecker se tornou o líder máximo da RDA no lugar de Walter Ulbricht, que até então privilegiava a industrialização pesada em disputa com o Ocidente. Honecker, por sua vez, quis que os alemães orientais também tivessem maior acesso aos bens de consumo, o que já era uma realidade para a capitalista e economicamente cada vez mais poderosa Alemanha Ocidental.[30]

A liderança comunista considerou então que se devia para tal, dentro de seu modelo sócio econômico, aumentar a produtividade com o maior engajamento de mão de obra especializada. O Estado deveria intensificar os meios de assistência à maternidade e a infância, para que as mulheres pudessem estudar, gerar mais filhos e trabalhar. Uma política aparentemente progressista, mas na prática, conforme demonstra Puhl fundamentada em pesquisas de autoras como Heike Trappe, o patriarcalismo era paradoxalmente legitimado no Estado socialista que pretendeu bani-lo. O próprio título da obra de Trappe, Emanzipation oder Zwang? Frauen in der RDA zwischen Beruf, Familie und Sozialpolitik, já dá o tom de sua crítica. O que, em tradução livre do idioma alemão, seria “Emancipação ou obrigação? Mulheres na RDA entre profissão, família e política social”.[31]

Da época da “nova ênfase na maternidade” podem ser exemplificados dois dos mais célebres Frauenfilme da DEFA. O primeiro é The Legend of Paul and Paula (Die Legende von Paul und Paula, RDA, 1973), dirigido por Heiner Carow, um grande sucesso de público. Nesse filme a personagem Paula (Angelica Domröse) desabafa: “a vida tem que ser mais do que isso. Mais do que dormir e trabalhar. E dormir e trabalhar de novo”.[32] O outro é Solo Sunny (1980), dirigido por Konrad Wolf e Wolfgang Kohlhaase, em que Ingrid “Sunny” (Renate Krößner) é uma ex-operária vindo a integrar uma banda de jazz-rock em turnê por cidades do interior, se apresentando em pequenas casas de shows e clubes. Ela não está satisfeita com sua situação profissional e mesmo como as coisas estão acontecendo em sua vida sentimental.

Solo Sunny já prenunciava a estagnação da sociedade alemã oriental[33] que caminhava para o colapso e também, um aprofundamento da ruptura no Geist und Macht. Konrad Wolf e outros cineastas da DEFA eram leais socialistas, no entanto ousavam expressar principalmente nos Frauenfilme sua inquietação com o estado das coisas. Conforme demonstra Lisa Elkins-Jarrett em sua pesquisa na University of Bristol, The Legend of Paul and Paula e Solo Sunny constituem manifestações da vontade individual da mulher em contraposição ao que delas esperava o Estado.[34] É curioso notar a ambiguidade presente já no título de Solo Sunny, ou seja, indicia ser Sunny a cantora solista de uma banda e também uma afirmação de sua individualidade numa sociedade coletivista. Tais filmes narrativos de ficção possuem verossimilhança com a realidade vivida de mulheres na RDA, com seus dramas afetivos, familiares e profissionais.[35] Há que se verificar no aprofundamento da atual pesquisa em curso, que se os principais nomes creditados na direção de filmes na DEFA são de homens, as mulheres se fazem presentes como roteiristas. E alguns filmes são adaptações de romances femininos, como Der geteilte Himmel Erzählung mencionado no presente comunicado.

De 1946 até 1990, ano da reunificação alemã, a DEFA produziu 750 filmes narrativos ficcionais de longa metragem (Spielfilme) e filmes para crianças (Kinderfilme), cerca de 750 filmes de animação, cerca de 2250 filmes documentários e curtas-metragens.[36] Dos números da DEFA Stiftung abrangendo quase cinco décadas de produção dos estúdios alemães orientais são relacionados: 950 filmes narrativos ficcionais de longa metragem e curta metragem, 820 filmes de animação, 5.800 filmes documentários e semanários. Há também materiais não publicados e sobras de estúdio, bem como arquivos de fotos, cartazes publicitários, roteiros, argumentos, storyboards, partituras e documentos administrativos.[37]

Em 1990 a DEFA teve sua administração assumida por instituto fiel depositário nos acordos da reunificação alemã. A partir do mesmo ano sua estrutura produtiva foi aproveitada pela Progress Film-Verleih GmbH. A DEFA foi comprada e incorporada ao grupo francês CGE em 1992, mais da metade de seus colaboradores foram demitidos. O Bundesarchiv-Filmarchiv assumiu a guarda dos materiais fílmicos da DEFA até o estabelecimento da DEFA Stiftung pelo governo alemão em 15 de dezembro de 1998. É a fundação que desde então administra e conserva materiais da DEFA, e possui os direitos sobre os seus filmes, a ela confiada como parte da herança cultural nacional alemã.[38]

A DEFA é praticamente desconhecida do grande público brasileiro, carecendo sobretudo de publicações no País sobre a empresa. Objetiva-se com a atual pesquisa em curso no Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG que essa lacuna comece a ser preenchida, proporcionando-se assim maior acesso à essa importante parte da História do cinema mundial.

Notas

[1] DEFA Stiftung, online.

[2] TAYLOR, 2009.

[3] DEFA Stiftung, online.

[4] Ver TAYLOR, 2009.

[5] Ver NAZARIO (coord.); NOGUEIRA, (curadoria), Cinema e propaganda. Filmes da ex-República Democrática Alemã. Ver também NOGUEIRA, Um cinema baseado na mentira. In: NAZARIO, Catálogo Filmoteca Mineira, p. 63-65; SOARES, Produção Estatal de Filmes na Ex-RDA. In: Ibid. p. 65-72.

[6] Ver DEFA Film Library at the University of Massachusetts Amherst. Cinema of East Germany. Available from: <http://www.umass.edu/defa/&gt;. Accessed on: 12 May 2009.

[7] Ver PUHL, 2007.

[8] Ostalgie é um neologismo alemão juntando-se as palavras Ost – Leste e Nostalgie – nostalgia. Trata-se de um curioso fenômeno sociológico, que ocorreu nas duas primeiras décadas após a reunificação alemã, de nostalgia seletiva e idealizada da vida na extinta República Democrática Alemã. Ver GOOK, Ben. Really-Existing Nostalgia? Remembering East Germany in Film. Available from: <http://www.gsa.unimelb.edu.au/Traffic10/T10_GOOK.pdf >. Accessed on: 13 Feb. 2013.

[9] Geist = espírito, mente; alma. Macht = poder. Ver LANGENSCHEIDTS Taschen-wörterbuch. Portugiesisch-Deutsch/ Deutsch-Portugiesisch. Berlin: Langenscheidt, 1982.

[10] GRANT, 1997.

[11] FUNDER, 2008, p.129 e 207 passim.

[12] Sobre algumas tendências autorais no cinema alemão já nos anos 1920, atrizes e papéis notáveis do cinema da época, ver NAZARIO, A Revolta Expressionista. In: NAZARIO, 1999, p. 125-205 e EISNER, 1985.

[13] KOLONTAY, 1968.

[14] Ver NYE, Andrea. Uma Comunidade de Homens: O Marxismo e as Mulheres. In: NYE, 1995, p.48-94.

[15] DIEMER, Susanne: Patriarchialismus in der RDA, Leske u. Budrich, Opladen 1984 Apud PUHL, 2007.

[16] PUHL, 2007.

[17] PUHL, 2007.

[18] Ver Mythos Trümmerfrau. In: SELL, 2009, p. 111-122. Há também, o livro Mythos Trümmerfrauen da historiadora Leonie Treber. Ver Deutsche Welle online.

[19] Ver BYG, 2004.

[20] Ver, por exemplo, BARNERT, Die Antifaschismus-Thematik der DEFA, online.

[21] PUHL, 2007.

[22] Ver TAYLOR, 2009.

[23] Tomando-se o fim de semana anterior ao “domingo do arame farpado” por exemplo, “3.268 pessoas deixaram a Alemanha Oriental rumo a Berlim Ocidental. In: TAYLOR, 2009, p. 192-193.

[24] Ver FUNDER, 2008, p. 130.

[25] Ver SELL, 2009.

[26] DIEMER Ibid. Apud PUHL, p. 6.

[27] TAYLOR, 2009.

[28] Ver PUHL, 2007.

[29] Bebel, August: Die Frau und der Sozialismus, 5. Aufl., Verlag Marxistische Blätter, Frankfurt/Main 1985 Apud PUHL, 2007, cap. 2, p. 8-12. Puhl detalha os pontos da obra de Bebel considerados no Programa do SED para as mulheres na RDA.

[30] TAYLOR, 2009.

[31] TRAPPE, Heike: Emanzipation oder Zwang? Frauen in der RDA zwischen Beruf, Familie und Sozialpolitik. Akademie Verlag, Berlin 1995 Apud PUHL, 2007.

[32] Tradução livre de: There must be more to life. More than sleep and work. And sleep and work again. Paula apud ELKINS-JARRETT, 2005, p.3.

[33] Ver FOCUS on East German Cinema, online.

[34] ELKINS-JARRETT, 2011.

[35] Sobre dramas reais de mulheres e meninas na RDA em confronto com o Estado ver FUNDER, 2008.

[36] PUHL, 2007, p. 41.

[37] Os números e documentos da DEFA Stiftung aqui relacionados podem ser confrontados em seu site, tendo-se o original em idioma alemão. Ver DEFA Stiftung online.

[38] PUHL, 2007, p. 51.

REFERÊNCIAS

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DEUTSCHE Welle. Mulheres dos escombros são um mito do pós-Guerra, diz historiadora. Disponível em: <http://www.dw.com/pt/mulheres-dos-escombros-s%C3%A3o-um-mito-do-p%C3%B3s-guerra-diz-historiadora/a-18089963&gt;. Acesso em: 4 jul. 2015.

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EISNER, Lotte. A tela demoníaca. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 283 p.

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FUNDER, Anna. Stasilândia. Como funcionava a polícia secreta alemã. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 375 p.

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NAZARIO, Luiz. A revolta expressionista. In: ____________. As sombras móveis: Atualidade do cinema mudo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, Laboratório Multimídia da Escola de Belas Artes da UFMG, 1999. p. 125-205.

NOGUEIRA, Soraia Nunes. Um cinema baseado na mentira. In: NAZARIO, Luiz (org.). Catálogo Filmoteca Mineira. Belo Horizonte: Escola de Belas Artes/UFMG, 2004. p. 63-65.

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PUHL, Kathrin. Das Frauenbild im DEFA-Film. 2007. 108 S. (Sozialwissenschaften) – Universität Oldenburg, Oldenburg, den 25. Juni 2007.

SELL, Katrin. Frauenbilder im DEFA-Gegenwartskino. Exemplarische Untersuchungen zur Filmischen Darstellung der Figur der Frau im DEFA-Film der Jahre 1949-1970. Marburg, Tectum Verlag, 2009.

SOARES, Alexandre Martins. Produção Estatal de Filmes na Ex-RDA. In: NAZARIO, Luiz (org.). Catálogo Filmoteca Mineira. Belo Horizonte: Escola de Belas Artes/UFMG, 2004. p. 65-72.

TAYLOR, Frederick. Muro de Berlim. Um mundo dividido 1961-1989. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2009. 271 p.

WOLF, Christa. Der geteilte Himmel Erzählung. München: Deutscher Taschenbuch Verlag, 2013. 238 p.

WORLD Cinema Review. Konrad Wolf Sonnensucher (Sun Seekers). Available from: <http://internationalcinemareview.blogspot.com.br/2012/10/konrad-wolf-sonnensucher-sun-seekers.html&gt;. Accessed on: 13 Jul. 2015.

Da filmografia dos arquivos do FTC/ EBA/ UFMG

ETERNAMENTE jovem Berlim. In: NAZARIO, Luiz (coord.); NOGUEIRA, Soraia Nunes (curadoria). Cinema e propaganda. Filmes da ex-República Democrática Alemã. Belo Horizonte: Ophicina Digital; Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG, 2003. 1 DVD (60 min.), son., color, dublado.

ETERNAMENTE jovem Berlim. Regisseur: [?]. Berlim: Ministerium für Auswärtige Angelegenheiten/ DEFA/ Camera DDR, 1986. 2 rolos 16 mm (31 Min.), color, son. Dublado em português. Tradução de: Die Junge Alte Stadt Berlin

SOLO Sunny. Directors: Konrad Wolf; Wolfgang Kohl Haase. Potsdam-Babelsberg: DEFA, 1979/1980. 5 Film-Rollen 16 mm (102 Min.), color, Tonfilm.

SORGE um Mutter und Kind. Regisseur: Regina Thielemann. Berlim: Ministerium für Auswärtige Angelegenheiten/ DEFA/ Camera DDR, 1986. 2 rolos 16 mm (24 Min.), color, son. Dublado em português.

AS CRÍTICAS DE CINEMA DE BRESSER-PEREIRA

1

O brilhante economista Luiz Carlos Bresser-Pereira é um cinéfilo obsessivo, que mantém uma lista atualizada de filmes “vistos recentemente” que chega a 1.232 títulos cotados. Cada um deles traz uma pequena ficha técnica e uma ou duas linhas apreciativas.

Como crítico de cinema, Bresser-Pereira escreveu regularmente para o jornal ‘O tempo’ entre 1953 e 1955. Essas críticas merecem ser estudadas, pois, além do valor do texto, já se tornaram um documento histórico: sobre o autor, o cinema então exibido, as preocupações e os estilos da crítica brasileira da época.

É fascinante ler, por exemplo, seu relatório sobre o I Festival Internacional de Cinema do Brasil em São Paulo em 1954, com a conclusão de que o Brasil não tinha capacidade de fazer um festival de nível internacional, gastando 20 milhões de cruzeiros mais ou menos à toa com uma mostra mal organizada, mas que adquiriu 300 importantes películas e consolidou a Cinemateca Brasileira.

Há um buraco na produção de suas críticas depois de 1955, e ele só volta a publicar críticas de cinema a partir dos anos de 1980, de modo esporádico, nos jornais Folha de S. Paulo e Valor Econômico, com longos intervalos entre os textos.

Bresser-Pereira abandonou sua promissora, mas economicamente inviável carreira de crítico de cinema, a despeito de estar para ela vocacionado, para atender, como é de praxe, às necessidades da vida, tornando-se advogado, economista, professor e, finalmente, ministro da Fazenda.

Mas o economista nunca perdeu a paixão cinéfila e manteve atualizada sua lista de filmes vistos. Quem uma vez foi mordido pela mosca azul do cinema nunca deixa de sentir a coceira da picada, e assim ele vai atualizando sua lista, com apreciações apressadas, algo simplórias, eivadas de marxismo.

Todo cinéfilo obsessivo tem suas listas secretas: de filmes vistos, de filmes que sonha ver, de filmes que já possui, de filmes que deseja ainda possuir. Eu também tenho as minhas listas: intermináveis, inúteis, sem sentido, apaixonantes. Um dia, quando me cansar delas, hei de publicá-las.

FILMAGENS EM CORES DE BERLIM EM JULHO DE 1945

The Spirit of Berlin (O espírito de Berlim, 1945)
The Spirit of Berlin (O espírito de Berlim, 1945)

Logo após a capitulação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, em meio ao imenso cenário de ruínas em que foi convertida a cidade de Berlim, vemos a população concentrada em torno do ativo mercado negro no Portal de Brandenburgo, algumas crianças tristonhas a brincar sozinhas ou a sorrir aproveitando o sol de verão, enquanto jovens e senhoras vivem o duro dia a dia na cidade arrasada e ocupada pelas tropas russas, americanas, inglesas e francesas.

Algumas dessas mulheres de semblante carrancudo até há pouco tempo vibravam com os discursos alucinados de Hitler no Berlin Sportpalast. Agora elas se mostram antipáticas ao cinegrafista que registra seu humilhante trabalho de coleta da água em baldes ou suas atividades caseiras nos prédios sem as fachadas, a intimidade exposta aos passantes. O flagrante do cinegrafista lembra uma cena do filme de propaganda nazista Jud Süss (O judeu Süss, 1940), de Veit Harlan:

Jud Süss (O judeu Süss, 1940), de Veit Harlan.
Jud Süss (O judeu Süss, 1940), de Veit Harlan.

Nesta cena, o perverso “judeu Süss”, Ministro das Finanças do Ducado de Württemberg, manda demolir metade da casa de um ferreiro que avançava sobre a rua que obteve do Duque para explorar pedágios, e a amante dele, ao ver a casa sem fachada, ocupada por soldados, exclama antes de beijar Süss: “Parece uma casa de bonecas! Como você é inteligente e horrível!”. Os alemães, que imaginaram assim sua vitimização pelo “judeu” para legitimar o Holocausto que praticavam, não imaginaram que viveriam tal cena na carne, como vítimas reais de uma espécie de “lei do retorno”.

Ver o filme aqui.

A MOSFILM E A NOSTALGIA COMUNISTA DO CINEMA ESTATAL

A reportagem da TV Record, realizada em 2004, mostra os estúdios da Mosfilm e termina com uma pequena entrevista com seu então diretor, o cineasta Karen Chakhnazarov (1952-), autor de Os homens de bem, Jazz-man, Cidade zero e Enfermaria número 6, que manifesta sua nostalgia do comunismo através de sua política das artes sob o controle total do Estado, condenando a privatização do estúdio em nome de uma “tradição cultural” a ser mantida.

Ver o vídeo aqui.

UMA SILENCIOSA CATÁSTROFE

The Last Reel: um lamento sobre o fim do cinema. O mundo está perdendo alguma coisa invisível, mas essencial, com a transição do analógico para o digital, com o deslocamento do olho humano do papel e para a tela do computador, do jornal impresso para o jornal eletrônico, do livro para o e-book: sua alma?

Ver o filme aqui.

1

CINECLIO: GRUPO DE ESTUDOS SOBRE CINEMA E HISTÓRIA

Clio, por Mucha.
Clio, por Mucha.

O CINECLIO é um grupo de pesquisadores atuantes na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais cujos estudos se cruzam num horizonte de áreas correlatas definidas como: História do Cinema, História e Cinema, Memória e Cinema, Preservação do Cinema, Patrimônio Audiovisual.

CINEMA E HISTÓRIA

Coordenação

Prof. Dr. Luiz Nazario, luiz.nazario@terra.com.br

Pesquisadores

Alexandre Martins Soares, alexdrsoares@gmail.com

Ana Luisa Coimbra, luisacoimbra@hotmail.com

Arttur Ricardo Espindola, arttur.espindula@gmail.com

Cristiano Bezerra Lara, crisblara@gmail.com

José Ricardo da Costa Miranda Junior, j-ricardo-jr@hotmail.com

Nelson Barraza, nelsonjbaspee@gmail.com

Roberto Cotta, robertormcotta@gmail.com

Soraia Nunes Nogueira, soraiann@gmail.com

MEMÓRIA E CINEMA

Coordenação

Prof. Dr. Evandro José Lemos da Cunha, cunha@eba.ufmg.br

Pesquisadores

Camila Silva, milacristinasilva@gmail.com

Luiz Carlos Carneiro, lccarneiro.carneiro@gmail.com

Mariana Tavares, marianatavares167@gmail.com